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“Adaptabilidade” como uma competência necessária

Lidar com o cancro da mama é um processo único e individual. O desafio, além da cura física e sobrevivência, é o reajustamento psico-emocional e social às mudanças causadas pela doença e tratamentos.

            Enquanto ser-no-mundo estamos sujeitos, o tempo todo, ao desconhecido e imprevisível, como é o caso do adoecer de cancro que se apresenta como uma ameaça à integridade física e psicológica, provando que nas condições reais da existência humana há acontecimentos com o poder de alterar a realidade e, em consequência, a própria perceção e conhecimento sobre a mesma.

             As doenças oncológicas são um problema atual de Saúde Pública, sendo o cancro da mama das patologias mais prevalecentes mundialmente no sexo feminino. O cancro da mama masculino é mais raro.

            Apesar do aumento da taxa de sobrevivência, nenhuma pessoa está preparada para ouvir que tem cancro. O choque inicial é inevitável. Quer pelas representações individuais e sociais negativas da doença (culturalmente enraizadas no estigma de doença incurável e potencialmente fatal), pela agressividade dos tratamentos, pelo receio da “mutilação”, pela perda do cabelo, quer pela incerteza sobre possíveis recidivas, continua a despertar medo, angústia e preocupação difíceis de gerir, que acompanham desde o diagnóstico até o tratamento e recuperação da doença.

            Aos poucos, o desconforto de conviver com a mudança, o medo e a incerteza do que pode advir, vai trazendo consigo uma experiência de vulnerabilidade pessoal com impactos sobre a qualidade de vida. Nesta situação, é natural sentir alterações na saúde física e mental, como um aumento dos níveis de ansiedade, depressão e somatização. Atenção que, em alguns casos, a prevalência de sintomas ansiosos e depressivos, pode evoluir para quadros psiquiátricos. Por isso, é muito importante observar e estar consciente dos sintomas para saber o momento de procurar ajuda profissional. Até porque as dificuldades, necessidades e problemas desencadeados pela doença e tratamentos são reais e precisam de ser validados.

            Apesar de tudo, entenda que enfrentar e lidar com o cancro diariamente é um desafio que pode ser ultrapassado, no entanto, a probabilidade de retorno à situação anterior de saúde plena implica uma necessidade de reorganização e adaptação à nova realidade. Processo que se prevê único e individual, como reflexo do modo particular de ser e reagir.

            É praticamente impossível falar de enfrentamento do cancro da mama sem levarmos em conta a “adaptabilidade” como uma competência necessária. A adaptabilidade, que se vincula à flexibilidade e resiliência, é a capacidade de compreender, de integrar e de se adequar às mudanças que o cancro traz consigo. Por isso, desenvolvê-la revela-se essencial para um melhor funcionamento possível. Agora a questão é: “Como começar a desenvolver a minha adaptabilidade? Confira os seguintes tópicos como estratégias para minimizar o impacto negativo do diagnóstico.

  • Comece por aceitar o que está a sentir como parte integrante da situação que está a viver. É natural sentir medo e ansiedade. É o seu sistema de alarme biológico, que serve o propósito de a preparar para aquilo com que está a lidar. O seu corpo está a funcionar corretamente. Alterações do sono podem surgir por efeito da maior ativação fisiológica (ou mental). Saiba que são sintomas frequentes neste período e que tendem a estabilizar.
  • Questione os pensamentos negativos. Ao sentir medo e ansiedade, a mente tende a focar-se nos aspetos negativos, o que aumenta ainda mais esses estados. Se o seu medo está a dizer-lhe que algo mau provavelmente acontecerá, é útil reavaliar essas suposições: “Qual a real probabilidade de isto acontecer?”, “Que evidências sustentam isso?”, “Existe alguma prova contra?”, “O que diria a um amigo na mesma situação?”.
  • Entenda a própria condição clínica. Obtenha todos os factos. Perante o choque do diagnóstico é comum sentir desorientação, confusão e bloqueio, que diminuem a capacidade de processar e reter informação. Recorra ao seu médico (ou equipa multidisciplinar) para esclarecimento sobre a doença e tratamentos. Ele conhece o seu histórico clínico e irá acompanhá-la(o). Estar consciente da sua situação e possibilidades, promoverá um sentido de maior segurança e controlo.
  • Não se compare. Tenha em consideração que cada caso e cada pessoa são únicos. Os cancros da mama não são todos iguais e as terapêuticas propostas a cada doente são cada vez mais personalizadas, para atender às necessidades individuais, avaliando a extensão e características do tumor. Os trajetos são distintos. Se conhece casos com cancro não busque comparações, inspire-se neles.
  • Aceite e encare a doença. O instinto inicial tende a ser o de negar a realidade que se apresenta desagradável e assustadora. Depois, o de sentir raiva, injustiça ou tristeza profunda, quando percebe que a doença é real. O processo de aceitação começa por assumir que não temos o controlo sobre tudo. Aceitar o diagnóstico é um passo importante para se posicionar e tomar escolhas que contribuam para a sua cura.
  • Estabeleça a sua rede de apoio. Não se sinta desamparada(o).Além da parceria com a equipa médica, não dispense o apoio da família, amigos ou outras pessoas significativas. A evidência científica comprova que o suporte familiar é um fator protetor de um impacto negativo da doença e um fator motivacional na adaptação ao cancro. Pode recorrer a outros especialistas, como psicólogos ou psiquiatras, bem como, associações ou grupos de apoio, para aumentar o suporte social percebido, o bem-estar e qualidade vida.
  • Foque-se na resolução do problema. O foco no planeamento (possibilidades de tratamento) e na cura, orienta para a ação e a mudança. Fortaleça o otimismo, esperança e resiliência (faça afirmações positivas, pratique a gratidão, reconheça as suas conquistas pessoais,…). Estes traços psicológicos positivos relacionam-se a melhor bem-estar subjetivo e ajustamento mental ao cancro da mama.
  • Pratique o autocuidado. É essencial cuidar de si. Torne a alimentação e o sono uma prioridade. Ter uma boa nutrição é um forte aliado para reduzir infeções e ajudar a prevenir ou controlar alguns efeitos colaterais dos tratamentos. Reforce a higiene do sono procurando fazer algo relaxante (banho quente, ler um livro, ouvir música tranquila,…).
  • Conheça os seus direitos. Possui um conjunto de direitos que estão contemplados na lei. Solicite no Centro de Saúde da sua área de residência,o Atestado Médico de Incapacidade Multiusos – único documento que faz prova legal de que é doente oncológico. Para mais informações, consulte o guia dos Direitos Gerais do Doente Oncológico  da Liga Portuguesa Contra o Cancro.

Artigo por: Marina Rodrigues – Psicóloga Clínica

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